domingo, 9 de setembro de 2012

INFLAÇÃO E DESEMPREGO - HAYEK


INFLAÇÃO, MÁ ALOCAÇÃO DE MÃO DE OBRA E DESEMPREGO.
Friedrich A. Hayek (1889 – 1992). Trechos do artigo.

Três escolhas de política
A verdade inquietante — mas inalterável — reside no fato de que a enganosa política monetária e creditícia adotada durante quase todo o período posterior à Segunda Guerra Mundial levou os sistemas econômicos de todos os países industriais do Ocidente a uma situação muito instável: qualquer coisa que façamos redundará nas mais desagradáveis consequências.  Restam-nos apenas três opções:
1. Permitir que continue o acelerado processo inflacionário até que ele leve à completa desorganização de toda a atividade econômica. 
2. Controlar salários e preços, o que encobriria os efeitos de uma inflação continuada, mas, por outro lado, nos levaria, inevitavelmente, a um sistema econômico totalitário, dirigido centralmente. 
3. Frear com firmeza o aumento da quantidade de dinheiro, medida esta que, fazendo surgir um desemprego substancial, traria à tona todos os problemas decorrentes de um direcionamento errôneo da alocação da mão de obra, problemas estes que, causados pela inflação dos anos anteriores, se tornariam, no entanto, ainda mais graves no caso de se optar por qualquer uma das duas outras alternativas. 

Minha situação não é nada agradável: durante quarenta anos repeti que o momento de prevenir o advento de uma depressão tem lugar durante o auge da prosperidade.  Nesta época, porém, ninguém me deu ouvidos.  Agora, muitas pessoas vêm perguntar-me como evitar as consequências desta mesma política contra a qual sempre me coloquei abertamente.  Eu teria que endossar promessas feitas pelos chefes de governo de todos os países industriais do Ocidente a seus povos no sentido de que eles poderão estancar a inflação e preservar o pleno emprego.  No entanto, tenho certeza de que eles não podem cumpri-las.  Chego mesmo a temer que as tentativas de protelar a crise inevitável com um novo empurrão inflacionário possam ter algum êxito temporário, o que certamente tornará o colapso ainda pior. 

É possível identificar três fases bem distintas no desenvolvimento do pensamento de Keynes.  A princípio ele reconheceu a necessidade de reduzir os salários reais.  A seguir, concluiu que tal medida seria politicamente inviável.  Depois, convenceu-se de que esta redução seria inútil e até mesmo nociva.  O Keynes de 1919 ainda entendia que: "não há meio mais sutil nem mais seguro de subverter a ordem social do que o aviltamento da moeda.  Trata-se de um processo que mobiliza todas as forças ocultas da lei econômica a favor da destruição, e o faz de maneira tal que em um milhão de pessoas não há uma só que seja capaz de fazer um diagnóstico."
A avaliação política que Keynes fazia da situação o tornou o grande inflacionista, ou pelo menos o mais ávido antideflacionista dos anos 1930.  Tenho, no entanto, boas razões para crer que ele desaprovaria o que fizeram os seus seguidores no período de pós-guerra.  Se não tivesse morrido tão cedo, teria sido, certamente, um dos líderes na luta contra a inflação. 

A teoria de Keynes — uma tentação para os políticos
O fato de a teoria keynesiana ter dado aos políticos oportunidades tentadoras foi provavelmente ainda mais importante do que o seu aspecto, então muito em voga, de método científico, aspecto este que a fez parecer tão atraente para os economistas profissionais.  Esta teoria representava para os políticos não apenas um método barato e rápido de eliminar uma importante fonte de sofrimento humano, mas também um meio de se libertarem das duras restrições que os cerceavam quando objetivavam alcançar popularidade.  De repente, medidas como gastar dinheiro e gerar déficits orçamentários passaram a ter uma conotação extremamente positiva.  Argumentava-se, com profunda convicção, que a expansão dos gastos públicos era totalmente meritória, uma vez, que propiciava a utilização de recursos até então ociosos, o que, além de nada custar à comunidade, trazia-lhe um ganho líquido. 

4. A inflação acaba aumentando o desemprego
No entanto, por que todo esse medo da inflação? Não deveríamos tentar aprender a conviver com ela, como alguns países sul-americanos parecem ter feito, principalmente no caso de ela ser, como alguns acreditam, necessária para manter o pleno emprego? Se esta hipótese é verdadeira e se os danos decorrentes da inflação são apenas aqueles que muitos apregoam, é, então, o caso de considerarmos seriamente essa possibilidade de convívio. 
Por que não podemos viver com inflação
Há dois motivos para que não possamos conviver com a inflação.  O primeiro reside no fato de que tal inflação, para atingir a meta desejada, teria que acelerar-se constantemente; ora, uma inflação em aceleração constante mais cedo ou mais tarde há de atingir um grau que tornará impossível qualquer ordem efetiva de uma economia de mercado.  O segundo — e o mais importante — está na certeza de que, a longo prazo, essa inflação criará, inevitavelmente, um volume de desemprego muito maior do que aquele que pretendeu evitar. 
O argumento, frequentemente apresentado, de que a inflação simplesmente gera uma redistribuição do produto social, enquanto o desemprego reduz este produto, representando, portanto, um mal maior, é falso porque é a inflação que, na verdade, se torna causa de aumento do desemprego. 

Evitar que a recessão degenere em depressão
Se eu fosse, hoje, responsável pela política monetária de um país, certamente tentaria de todas as maneiras possíveis evitar uma deflação iminente, ou seja, uma queda absoluta nos fluxos de renda.  Além disso, deixaria bem claro o meu propósito de assim proceder.  Por si só, esta medida provavelmente seria suficiente para evitar que a recessão se degenerasse numa depressão de longa duração. 
A recuperação de um mercado no sentido de que ele volte a funcionar adequadamente, porém, ainda exige a reestruturação do complexo representado pelo sistema de preços relativos e salários, bem como uma readaptação à expectativa de preços estáveis, o que pressupõe muito maior flexibilidade em relação aos salários do que a que hoje existe, não ouso fazer uma previsão das probabilidades de que o mercado chegue à fixação dos salários relativos, nem mesmo posso prever quanto tempo este processo consumiria.

O sonho keynesiano
O sonho keynesiano findou, muito embora seus fantasmas estejam, há várias décadas, como que dominando os políticos.  Seria excelente — embora isto certamente signifique desejar demais — que a expressão "pleno emprego", agora tão intimamente associada à política inflacionária, pudesse ser deixada de lado, ou que pelo menos estivesse sempre presente a lembrança de que ela foi o objetivo de economistas clássicos muito anteriores a Keynes.  John Stuart Mill fala, em sua autobiografia, sobre como "o pleno emprego com altos salários", na sua juventude, era tido como o principal desideratum da política econômica.

Disciplinando as autoridades monetárias
Seria bom poder dividir com meu amigo Milton Friedman a confiança que tem no fato de que se poderiam evitar abusos de poder, por parte das autoridades monetárias para fins políticos, se se destituíssem estas autoridades de todo e qualquer poder discricionário, prescrevendo a soma de dinheiro que elas poderiam e deveriam, a cada ano, acrescentar ao meio circulante.  Talvez ele considerasse isto viável porque, para efeitos estatísticos, ele acostumou-se a distinguir com precisão a linha divisória entre o que é e o que não é considerado dinheiro.  Essa distinção, no entanto, não existe no mundo real. 
Para garantir que tudo o que é quase-dinheiro possa ser convertido em dinheiro propriamente dito — o que se faz necessário para evitar pânico ou graves crises de liquidez —, estou certo de que é preciso que as autoridades monetárias tenham um certo grau de arbítrio.  Concordo com Friedman, no entanto, quando diz que temos de tentar voltar a um sistema mais ou menos automático, se quisermos regular a quantidade de dinheiro dos tempos normais. 

DESEMPREGO: CONSEQUÊNCIA INEVITÁVEL DA INFLAÇÃO
O primeiro dever de qualquer economista que mereça este nome parece-me ser o de acentuar, em todas as oportunidades, o fato de que o desemprego de hoje é a consequência direta e inevitável das chamadas políticas de pleno emprego que, nos últimos vinte e cinco anos, vêm sendo seguidas.  Muita gente ainda acredita equivocadamente que um aumento da demanda agregada eliminará, por algum tempo, o desemprego.  Esta solução para o desemprego, muito embora, no mais das vezes, seja bastante eficiente a curto prazo, longe de ter efeitos positivos, vai gerar, mais tarde, um desemprego muito maior.  E só a compreensão deste fato pode impedir o público de exercer uma pressão irresistível para retomar a inflação assim que o desemprego for aumentando consideravelmente. 

Não há possibilidade de escolha entre inflação e desemprego
A inflação tem, obviamente, muitos outros efeitos nocivos, muito mais graves e dolorosos, aliás, do que podem supor as pessoas que não vivenciaram um processo inflacionário severo.  Mas o efeito, mais devastador, e ao mesmo tempo o menos compreendido, é que a inflação, a longo prazo, inevitavelmente leva ao desemprego em grande escala.
  

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