INFLAÇÃO, MÁ ALOCAÇÃO DE MÃO DE OBRA E DESEMPREGO.
Friedrich A. Hayek (1889 –
1992). Trechos do artigo.
Três escolhas de política
A verdade inquietante — mas inalterável — reside no fato de que a enganosa política monetária
e creditícia adotada durante quase todo o período posterior à Segunda Guerra
Mundial levou os sistemas econômicos de todos os países industriais do Ocidente
a uma situação muito instável: qualquer coisa que façamos redundará nas
mais desagradáveis consequências. Restam-nos apenas três opções:
1. Permitir que continue o acelerado processo inflacionário até que ele leve à
completa desorganização de toda a atividade econômica.
2. Controlar salários e preços, o que encobriria os efeitos de uma inflação
continuada, mas, por outro lado, nos
levaria, inevitavelmente, a um sistema econômico totalitário, dirigido
centralmente.
3. Frear com firmeza o aumento da quantidade de dinheiro, medida esta que, fazendo surgir um
desemprego substancial, traria à tona todos os problemas decorrentes de um
direcionamento errôneo da alocação da mão de obra, problemas estes que, causados pela inflação dos anos anteriores, se
tornariam, no entanto, ainda mais graves no caso de se optar por qualquer uma
das duas outras alternativas.
Minha situação não é nada agradável: durante quarenta anos repeti que o
momento de prevenir o advento de uma depressão tem lugar durante o auge da
prosperidade. Nesta época, porém, ninguém me deu ouvidos. Agora,
muitas pessoas vêm perguntar-me como evitar as consequências desta mesma política
contra a qual sempre me coloquei abertamente. Eu teria que endossar promessas feitas pelos chefes de governo de todos
os países industriais do Ocidente a seus povos no sentido de que eles poderão
estancar a inflação e preservar o pleno emprego. No entanto, tenho certeza
de que eles não podem cumpri-las. Chego mesmo a temer que as
tentativas de protelar a crise inevitável com um novo empurrão inflacionário
possam ter algum êxito temporário, o que certamente tornará o colapso ainda
pior.
É possível identificar três fases bem distintas no desenvolvimento do
pensamento de Keynes. A
princípio ele reconheceu a necessidade de reduzir os salários reais. A
seguir, concluiu que tal medida seria politicamente inviável.
Depois, convenceu-se de que esta redução seria inútil e até mesmo nociva.
O Keynes de 1919 ainda entendia que:
"não há meio mais sutil nem mais seguro de subverter a ordem social do que
o aviltamento da moeda. Trata-se de um processo que mobiliza todas as
forças ocultas da lei econômica a favor da destruição, e o faz de maneira tal
que em um milhão de pessoas não há uma só que seja capaz de fazer um
diagnóstico."
A avaliação política que Keynes fazia da situação o tornou o grande
inflacionista, ou pelo menos o mais ávido antideflacionista dos anos
1930. Tenho, no entanto, boas razões para crer que ele desaprovaria o que
fizeram os seus seguidores no período de pós-guerra. Se não tivesse
morrido tão cedo, teria sido, certamente, um dos líderes na luta contra a
inflação.
A teoria de Keynes — uma tentação para os políticos
O fato de a teoria keynesiana ter dado aos políticos oportunidades
tentadoras foi provavelmente ainda mais importante do que o seu aspecto, então
muito em voga, de método científico, aspecto este que a fez parecer tão
atraente para os economistas profissionais. Esta teoria representava para
os políticos não apenas um método barato e rápido de eliminar uma importante
fonte de sofrimento humano, mas também um meio de se libertarem das duras
restrições que os cerceavam quando objetivavam alcançar popularidade. De
repente, medidas como gastar dinheiro e gerar déficits orçamentários passaram a
ter uma conotação extremamente positiva. Argumentava-se, com profunda
convicção, que a expansão dos gastos públicos era totalmente meritória, uma
vez, que propiciava a utilização de recursos até então ociosos, o que, além de
nada custar à comunidade, trazia-lhe um ganho líquido.
4. A inflação acaba aumentando o desemprego
No entanto, por que todo esse medo da inflação? Não deveríamos tentar
aprender a conviver com ela, como alguns países sul-americanos parecem ter
feito, principalmente no caso de ela ser, como alguns acreditam, necessária
para manter o pleno emprego? Se esta hipótese é verdadeira e se os danos
decorrentes da inflação são apenas aqueles que muitos apregoam, é, então, o
caso de considerarmos seriamente essa possibilidade de convívio.
Por que não podemos viver com inflação
Há dois motivos para que não possamos conviver com a inflação. O
primeiro reside no fato de que tal inflação, para atingir a meta desejada,
teria que acelerar-se constantemente; ora, uma inflação em aceleração
constante mais cedo ou mais tarde há de atingir um grau que tornará impossível
qualquer ordem efetiva de uma economia de mercado. O segundo — e o mais importante — está na certeza de que, a longo
prazo, essa inflação criará, inevitavelmente, um volume de desemprego muito maior
do que aquele que pretendeu evitar.
O argumento, frequentemente apresentado, de que a inflação simplesmente
gera uma redistribuição do produto social, enquanto o desemprego reduz
este produto, representando, portanto, um mal maior, é falso porque é a inflação que, na verdade, se torna
causa de aumento do desemprego.
Evitar que a recessão degenere em depressão
Se eu fosse, hoje, responsável pela política monetária de um país,
certamente tentaria de todas as maneiras
possíveis evitar uma deflação iminente, ou seja, uma queda absoluta nos fluxos
de renda. Além disso, deixaria
bem claro o meu propósito de assim proceder. Por si só, esta medida
provavelmente seria suficiente para evitar que a recessão se degenerasse numa
depressão de longa duração.
A recuperação de um mercado no sentido de que ele volte a funcionar
adequadamente, porém, ainda exige a
reestruturação do complexo representado pelo sistema de preços relativos e
salários, bem como uma readaptação à
expectativa de preços estáveis, o que pressupõe muito maior flexibilidade
em relação aos salários do que a que hoje existe, não ouso fazer uma previsão das
probabilidades de que o mercado chegue à fixação dos salários relativos, nem
mesmo posso prever quanto tempo este processo consumiria.
O sonho keynesiano
O sonho keynesiano findou, muito embora seus fantasmas estejam, há
várias décadas, como que dominando os políticos. Seria excelente — embora
isto certamente signifique desejar demais — que a expressão "pleno emprego", agora tão intimamente associada
à política inflacionária, pudesse ser deixada de lado, ou que pelo menos
estivesse sempre presente a lembrança de que ela foi o objetivo de economistas
clássicos muito anteriores a Keynes. John Stuart Mill fala, em sua
autobiografia, sobre como "o pleno emprego com altos salários", na
sua juventude, era tido como o principal desideratum da política
econômica.
Disciplinando as autoridades monetárias
Seria bom poder dividir com meu amigo Milton Friedman a confiança que tem no fato de que se poderiam evitar abusos de poder, por parte das
autoridades monetárias para fins políticos, se se destituíssem estas
autoridades de todo e qualquer poder discricionário, prescrevendo a soma de
dinheiro que elas poderiam e deveriam, a cada ano, acrescentar ao meio
circulante. Talvez ele considerasse isto viável porque, para efeitos
estatísticos, ele acostumou-se a distinguir com precisão a linha divisória
entre o que é e o que não é considerado dinheiro. Essa distinção, no
entanto, não existe no mundo real.
Para garantir que tudo o que é
quase-dinheiro possa ser convertido em dinheiro propriamente dito — o que se
faz necessário para evitar pânico ou graves crises de liquidez —, estou certo
de que é preciso que as autoridades monetárias tenham um certo grau de
arbítrio. Concordo com Friedman, no entanto, quando diz que temos de tentar voltar
a um sistema mais ou menos automático, se quisermos regular a quantidade de
dinheiro dos tempos normais.
DESEMPREGO: CONSEQUÊNCIA INEVITÁVEL DA INFLAÇÃO
O primeiro dever de qualquer economista que mereça este nome parece-me
ser o de acentuar, em todas as oportunidades, o fato de que o desemprego de hoje é a consequência
direta e inevitável das chamadas políticas de pleno emprego que, nos
últimos vinte e cinco anos, vêm sendo seguidas. Muita gente ainda
acredita equivocadamente que um aumento da demanda agregada eliminará, por
algum tempo, o desemprego. Esta solução para o desemprego, muito embora,
no mais das vezes, seja bastante
eficiente a curto prazo, longe de ter efeitos positivos, vai gerar, mais tarde,
um desemprego muito maior. E só a compreensão deste fato pode impedir
o público de exercer uma pressão irresistível para retomar a inflação assim que
o desemprego for aumentando consideravelmente.
Não há possibilidade de escolha entre inflação e desemprego
A inflação tem, obviamente, muitos outros efeitos nocivos, muito mais
graves e dolorosos, aliás, do que podem supor as pessoas que não vivenciaram um
processo inflacionário severo. Mas o efeito, mais devastador, e ao mesmo
tempo o menos compreendido, é que a
inflação, a longo prazo, inevitavelmente leva ao desemprego em grande escala.
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